Da noite para o dia
De todas as coisas que tenho no corpo algumas sempre me entristeceram mais. Tem os pelos fora de lugar,a celulite, as espinhas... e tem também as benditas estrias. Sempre horríveis, sempre aparecendo pra me lembrar que engordei de novo, que aquele regime não funcionou, que eu não tenho disciplina suficiente pra passar creme toda hora, que minha barriga está pior que a de mulher grávida....
Lá estão as estrias. Elas sempre pareceram estar me mostrando e mostrando pra todo mundo que eu fracassei por muitas vezes. Cada nova estria que surgia parecia mais um risinho sarcástico da minha consciência rasgando meu corpo.
Mas aprendi a carregá-las. Entendi que são marcas, demonstrações de que há vida em mim, uma vida que é frágil e sensível e que se estira ao máximo pra dar conta de resolver os problemas que aparecem, assim, quase do nada, por desleixo ou por necessidade.
Passei a olhar pra elas como partes de mim, como uma construção. Claro, uma construção desnecessária, o que, não raro, ainda fazia minhas estrias parecerem pesadas.
Mas, aprendi a conviver com elas... vai ter que ser assim pra vida toda, não?
Outro dia, me joguei na cama pra ver um filme com minha irmãzinha. Mais dormindo que acordada, de repente ouço um comentário:"nossa, que lindo!". Abri os olhos: nada de lindo na TV. Fechei os olhos de novo, e ouço de novo: "nossa, que lindo, o que você tem aqui". Olhei e vi minha irmãzinha olhando pro meu braço, nunca vi nada de lindo no meu braço. Daí despertei.
“Parece que tem raios de sol no seu braço”. Eu ainda estava com sono e, por algumas frações de segundo tentei lembrar se tinha me encostado em algum lugar, se minha blusa tinha estampas... nada. Então, olhei bem, e lá estava ela, do alto dos seus seis anos, olhando com tanta poesia minhas estrias, contando todos os raios de sol que tenho.
“Tem um aqui, outro aqui... que lindos”. Pensei que ela não entendia nada de estrias, que não sabe nada da dor que é ter essas marcas, mas... imediatamente depois reconsiderei.
Quem não entende nada sou eu. São marcas sim, marcas quase douradas, que a minha relação com a vida me trouxe. São raios de sol ou um farol que quer iluminar minhas próximas decisões sobre meu corpo. São quietos e pacíficos, mas eloqüentes, são, enfim lindos.
Levantei-me da cama me sentindo outra mulher. Mais forte, bonita, leve e, acima de tudo iluminada.
Sim, carrego comigo os meus próprios raios de sol, e eles são lindos.