Justo a mim

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terça-feira, abril 17, 2007

O falecimento dos mortos


A morte não vem por acaso, mas sempre nos pega de surpresa. Ela é cruel, soberana, silente, impassível, soberba até.
Isso explica porque ninguém falece. Falecer é quase desfalecer, é sair um pouco do lugar, é fechar os olhos em paz... isso não é morte.
Morte, pra quem vai, é descanso, pra quem fica é morte mesmo, é separação. Pode ter um quê de alívio, de respiro, mas sempre com soberania... a morte é inapelável.
Por isso que ninguém falece. Todo mundo morre.
Se morre um ente querido, a dor é muito maior que o “falecimento”. Falecimento não comporta o rasgo, a impotência ou a perplexidade dos próximos que, de uma hora pra outra, passaram a ser distantes.
Pra quem já era distante do falecido, aí sim, ele faleceu. Não morreu exatamente... morrer é muito forte. Quem cria eufemismos – “bater as botas” ou tantos outros – não vive a morte, “experiencia” o falecimento apenas, apenas o fechar dos olhos, o espaço vazio. Falecer não comporta perder.
É por isso que os vivos não falecem.
Quem morre, sabe-se lá o que encontra. Talvez este sim, ao sair da Terra possa dizer, ao encontrar os colegas “E aí, pessoal, estou chegando! Acabei de falecer!”. Mas, pesando melhor, nem assim... o falecimento vem com o tempo. Falecer é esvair-se, e nada se esvai num piscar de olhos.
“O falecido” é uma alcunha que presentifica. “ O morto” por si só já causa medo, já implica distância. Quem falece, então?
É por isso que, aos poucos, depois da dor inicial da morte, dor dilacerante, os mortos começam, pouco a pouco a falecer. De repente, a dor da morte vai cedendo lugar às lembranças boas, e elas vão, aos poucos assentando-se no passado e de lá olhando, placidamente para o presente ou, simplesmente deixando-se observar, dando-se ao direito de cultivar saudades, de florescer risos e lágrimas... Aí sim o falecimento se processa, deixando a morte pra trás, bem pra trás
Só os mortos falecem. Eu quero mesmo é morrer. Não quero estar viva para ver meu falecimento.

1 Comments:

Blogger Paula Kim said...

Você definiu com precisão o processo de aceitação de não ter mais entre nós aquele ente tão querido. A dor, intermitente, vai dando lugar às lembranças boas. Embora o coração fique eternamente encharcado de saudade, passamos a falar deles sem molhar os olhos.

Mêssega, como sempre, o seu texto está excelente.

Lov.u

9:59 PM  

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